Saturday, December 30, 2006

Balança



No prato da balança um verso basta
para pesar no outro a minha vida.


Eugénio de Andrade

(como sou balança de signo... acho bem... e para dar entrada a um novo ano...)

Pensamento de Gibran


O pecado não existe, excepto na medida em que o criamos.
Somos nós, portanto, que devemos destruí-lo.
Se escolhermos fazer o mal, ele existirá até que o destruamos.
O bem não podemos fazê-lo, pois ele é o próprio alento do Universo;
Mas podemos escolher respirar e viver nele e com ele.

Gibran Kahlil Gibran

Thursday, December 28, 2006

Incolor


Os mil olhares que lanças
Dizimando Tabus e Arquétipos
Penetrando Carne e Fogo
Dilacerando matéria e suor
Envoltos em Seda fina
Redomas incolores
Que Abres para mim

(mais um dele, especialmente para mim este...)

Memories


Do velho e do novo
Nada se distingue
Excepto este sangue
Que ainda flui nas veias
Matéria que encerra a alma
Memória que nos embala

(outra vez ele...)

Essencial


Sedento de carne
Vagueio pela horas mortas
Olhando atentamente
Sempre com a mesma sede
Impossível de me satisfazer
Pois não sou feito de carne
Mas de matéria sem destino
Sou pedra sem ter dor

(mais uma vez ele...)

À espera


Hoje apetecia-me dizer algo
Mas a pele fria das mãos
Prende-me em nós
Nem a boca se abre
Nem o coração se solta
Nem a tempestade me surge
Só o escuro me acompanha

(mais uma vez ele...)

Último silêncio


Nos sons me perco
Entre cada silêncio
De pensamentos difusos
Retomando a cada nota
A vida que deixo
Em cada instante
Que me atravessa
Sombrios momentos
De olhares profundos

(outra vez palavras do mesmo grande amante meu...)

Presença




É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.

Mário Quintana

Monday, December 25, 2006

As sem-razões do amor



Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Carlos Drummond de Andrade

Saturday, December 23, 2006

Há palavras que nos beijam



Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijam
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O'Neill

Friday, December 22, 2006

Amor


Amor, amor, amor, como não amam
os que de amor o amor de amar não sabem,
como não amam se de amor não pensam
os que de amar o amor de amar não gozam.
Amor, amor, nenhum amor, nenhum
em vez do sempre amar que o gesto prende
o olhar ao corpo que perpassa amante
e não será de amor se outro não for
que novamente passe como amor que é novo.
Não se ama o que se tem nem se deseja
o que não temos nesse amor que amamos,
mas só amamos quando amamos o acto
em que de amor o amor de amar se cumpre.
Amor, amor, nem antes, nem depois,
amor que não possui, amor que não se dá,
amor que dura apenas sem palavras tudo
o que no sexo é o sexo só por si amado.
Amor de amor de amar de amor tranquilamente
o oleoso repetir das carnes que se roçam
até ao instante em que paradas tremem
de ansioso terminar o amor que recomeça.
Amor, amor, amor, como não amam
os que de amar o amor de amar o amor não amam.

Jorge de Sena

Monday, December 18, 2006

A frouxidão no amor é uma ofensa



A frouxidão no amor é uma ofensa,

Ofensa que se eleva a grau supremo;

Paixão requer paixão, fervor e extremo;

Com extremo e fervor se recompensa.

Vê qual sou, vê qual és, vê que diferença!

Eu descoro, eu praguejo, eu ardo, eu gemo;

Eu choro, eu desespero, eu clamo, eu tremo;

Em sombras a razão se me condensa.

Tu só tens gratidão, só tens brandura,

E antes que um coração pouco amoroso

Quisera ver-te uma alma ingrata e dura.

Talvez me enfadaria aspecto iroso,

Mas de teu peito a lânguida ternura

Tem-me cativo e não me faz ditoso.


Bocage

Sunday, December 17, 2006

O Meu Amor



O meu amor tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo, ri do meu umbigo
E me crava os dentes

Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
De me deixar maluca quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba mal feita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios, de me beijar os seios
Me beijar o ventre e me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo como se o meu corpo
Fosse a sua casa

Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

Chico Buarque

Saturday, December 16, 2006

Líbido



Freud também acreditava que a líbido amadurecia nos indivíduos por meio da troca de seu objecto (ou objectivo). Argumentava que os humanos nascem «polimorficamente perversos», no sentido de que uma grande variedade de objectos possam ser uma fonte de prazer. Conforme as pessoas vão se desenvolvendo, também vão fixando-se sobre diferentes objectos específicos em distintas etapas: a etapa oral (exemplificada pelo prazer dos bebés na lactação); a etapa anal (exemplificada pelo prazer das crianças ao controlar sua defecação); e logo a etapa fálica. Propôs então que chega um momento no qual as crianças passam para uma fase onde se fixam no progenitor de sexo oposto (complexo de Édipo) e desenvolveu um modelo que explica a forma na qual se ajusta este padrão no desenvolvimento da dinâmica da mente. Cada fase é uma progressão pelo amadurecimento sexual, caracterizada por um Eu forte e a habilidade para retardar a necessidade de recompensas.

Divisão do Inconsciente



Freud procurou uma explicação à forma de operar do inconsciente, propondo uma estrutura particular. Propôs um inconsciente dividido em três partes: o eu ou ego, o id e o superego.

  • O id representa os processos primitivos do pensamento e constitui, segundo Freud, o motor do pensamento e do comportamento humano. Contém os nossos pensamentos e os desejos de recompensa mais primitivos, de carácter sexual e perverso.
  • O superego, a parte que contra-age ao id, representa os pensamentos morais e éticos.
  • O ego permanece entre ambos, alternando as nossas necessidades primitivas e as nossas crenças éticas e morais. É a instância em que se inclui a consciência. Um eu saudável proporciona a habilidade para adaptar-se à realidade e interagir com o mundo exterior de uma forma que seja cómoda para o id e o superego.

Freud estava especialmente interessado na dinâmica destas três partes da mente. Argumentou que essa relação é influenciada por factores ou energias inatas, a que chamou de pulsões. Descreveu duas pulsões antagónicas: Eros, uma pulsão sexual com tendência à preservação da vida, e Tánatos, a pulsão da morte. Esta última representa uma moção agressiva, apesar de, às vezes, se resolver numa pulsão que nos induz a voltar a um estado de calma, princípio de nirvana ou não-existência, que se baseou nos seus estudos sobre protozoários.

AMOR - definição


Este termo remete para uma pluralidade de sentimentos que diferem tanto pelo seu objecto (amor maternal, amor da pátria...) como pela sua finalidade (do desejo sexual ao «amor puro» dos teólogos que, totalmente desinteressado, visa o próprio Deus). Tentando um ponto comum, poderíamos encontrá-lo numa tendência de se unir com o outro, isto é, de o possuir de modo contínuo, ou formar um todo com ele (ex.: "amor a Deus") -- ou no facto de levar o sujeito para um «objecto» considerado como «bom».

Freud (cfr. Eros) mostra que a sexualidade está no fundo de todas estas manifestações, mas com isso ele não faz mais do que retomar uma tradição filosófica: já Empédocles via no amor sexual (ou «concórdia») o princípio de união momentânea dos elementos do Mundo; no Banquete Platão (para quem o amor é aspiração ao belo e ao bom, isto é, ao absoluto; o amor é por excelência o motor da filosofia, definida à partida como «amor à sabedoria») assinala-a como o ponto de partida das formas mais intelectualizadas ou místicas do amor; os escolásticos vão isolá-la sob a designação de «amor de concupiscência» para o opor ao «amor de benevolência» o único que, a seus olhos, tem um alcance moral.

Afirmando que o amor é a principal motivação da filosofia (O Banquete), Platão descobre o lugar central deste conceito. Mas convém distinguir cuidadosamente o amor egoísta e possessivo que persegue o outro como um objecto a devorar ("o amante ama o amado como o lobo ama o cordeiro", escreve Platão) e o amor autêntico que liberta do sofrimento e do desejo e conduz a alma ao banquete divino. Pois o amor verdadeiro – rapidamente saciado pelos alimentos sensíveis – só pode ser satisfeito pela contemplação, para além do belo, do verdadeiro e do bem.

A tradição filosófica retomará de um modo geral esta oposição entre o amor e o egoísmo (cf. Leibniz: «Amar é regozijar-se com a felicidade de outrem»), entre o amor-paixão (egoísta) e o amor-acção (altruísta) -- desde os estóicos que condenam sem apelo o amor-paixão, a Kant que (distinguindo duas formas de amor: o amor patológico, ligado à nossa sensibilidade e interesse, e o amor prático, preocupação verdadeira e desinteressada pelo bem do outro) demonstra que só o "amor prático" é moralmente aceitável, enquanto o "amor patológico" (impossível de controlar) é desatino e desprezo pelo outro. Todavia é possível pôr em causa esta dicotomia e defender "que existe entre a consciência moral e a consciência amorosa uma afinidade secreta" (Alain Finkiekraut, La Sagesse de l’amour)".

(texto construído a partir do Dicionário Prático de Filosofia e do Dicionário de Filosofia de G. Durozoi e A. Roussel)







Inconfesso desejo... minha história




Queria ter coragem
Para falar deste segredo...
Queria poder declarar ao mundo
Este amor,
Não me falta vontade
Não me falta desejo!!!
Você é minha vontade
Meu maior desejo!!!
Queria poder gritar
Esta loucura saudável,
Que é estar em teus braços,
Perdido pelos teus beijos
Sentindo-me louco de desejo!!!
Queria recitar versos
Cantar aos quatro ventos,
As palavras que brotam!
Você é inspiração,
Minha motivação!!!
Queria falar dos sonhos,
Dizer meus secretos desejos...
Que é largar tudo
Para viver com você,
Este inconfesso desejo.


Carlos Drummond de Andrade

Canção


Se fosses luz serias a mais bela
De quantas há no mundo: - a luz do dia!
- Bendito seja o teu sorriso
Que desata a inspiração
Da minha fantasia!
Se fosses flor serias o perfume
Concentrado e divino que perturba
O sentir de quem nasce para amar!
- Se desejo o teu corpo é porque tenho
Dentro de mim
A sede e a vibração de te beijar!
Se fosses água - música da terra,
Serias água pura e sempre calma!
- Mas de tudo que possas ser na vida,
Só quero, meu amor, que sejas alma!

António Botto

Poema





Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

Mário Cesariny

Não posso...


Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração.

António Ramos Rosa

Thursday, December 14, 2006

Amor, um acto de liberdade


O acto

Quando libertamos das garras do nosso ser os sentimentos que nutrimos por alguém, estes nascem para o mundo sob a forma de actos.

Perdemos o egoísmo do sentimento solitário e ganhamos com a extensão de nós próprios pelo fazer acontecer. E, se tivermos sorte, ganhamos com a partilha de algo comum.

Por muito que queiramos bem a alguém, só através dos actos vencemos a barreira da existência de dois seres individuais.

Através do acto de olhar partilhamos o brilho, através da fala partilhamos as ideias e através dos corpos partilhamos o calor.

A liberdade

Vivendo encerrados nossa caverna de Platão jamais poderemos saber o que existe para lá do fogo.

O ser humano transporta consigo o poder do livre arbítrio.

Ao logo da História temos pago o preço desse poder de opção.

O Homem tem lutado, sacrificado os seus filhos e até hipotecado o seu futuro pelo poder de poder escolher.

Só assim se pode considerar efectivamente livre e não se é completamente livre sem o conhecimento que nos permite optar em consciência.

Creio que é neste poder de opção que surge um dos actos mais românticos que podemos ter na nossa vida, embora que, relatado desta forma possa parecer cerebral, a opção de se amar alguém.

Optar por esta ou aquela pessoa, optar por se disponibilizar para amar ou nem por isso.

O amor

É com este acto de liberdade consciente que diferenciamos alguém entre os demais.


David Monteiro

(meu amigo do coração, a ti agradeço este post...)

Dez’06

Tuesday, December 12, 2006

Soneto da Separação


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Vinicius de Morais




Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

Eugénio de Andrade

Sunday, December 10, 2006

O amor é o amor



O amor é o amor - e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?...

O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!

Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois?
espírito e calor!

O amor é o amor - e depois?!

Alexandre O´Neil

A língua lambe


Ilustração de Milton DacostaA língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,

entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.

Carlos Drummond de Andrade

Anda vem...


Anda vem..., porque te negas,
Carne morena, toda perfume?
Porque te calas,

Porque esmoreces,

Boca vermelha - rosa de lume?

Se a luz do dia
Te cobre de pejo,

Esperemos a noite presos num beijo.

Dá-me o infinito gozo

De contigo adormecer

Devagarinho, sentindo
O aroma e o calor

Da tua carne, meu amor!


E ouve, mancebo alado:
Entrega-te, sê contente!
- Nem todo o prazer

Tem vileza ou tem pecado!


Anda, vem!...
Dá-me o teu corpo

Em troca dos meus desejos...

Tenho saudades da vida!

Tenho sede dos teus beijos!

António Botto

Delírio




Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!

Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.

No seu ventre pousei a minha boca,
– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci...

Olavo Bilac (1865-1918)

In Memoriam ao Luís


Se tu viesses ver-me...


Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

Florbela Espanca

Ilustração

Desalento


tão lento
tão lento
tão forte
que sabe
a morte
no navegar
bem devagar
perde-se a esperança
de querer encontrar
a estrada da vida
perdida
perdida
ao querer encontrar
o rumo
certo
neste deserto
que é
AMAR.

(palavras do meu amigo Mirão)

Marinada


Horas dedilhadas
de frenesim dedos ardentes
letras saltam
de memórias avivadas
apelas ao grito
sentes a dor
queres
calor assim
entre húmidos lugares
buscas profundo
sabor na boca



(palavras dedicadas a mim por um grande amante meu...)

Escreve-me ...


Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d'açucenas!


Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d'oração!


«Amo-te!» Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d'amor e felicidade!


Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então... brandas... serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...

Florbela Espanca